A Preparação Empresarial para a Transição Climática: Uma Análise Abrangente dos Setores Público e Privado
Por Andreas Mirow e Fernando Fabbris
Em 31 de outubro de 2024, tivemos a oportunidade de reunir na sede da CETESB em São Paulo algumas das vozes mais influentes dos setores público e privado para debater um dos temas mais urgentes da atualidade: a governança climática. O evento “Governança Climática no Setor Público e Privado e Como Gerar Convergência”, organizado conjuntamente pelo Grupo Conselheiras, de Sandra Comodaro, CETESB e Mirow & Co., proporcionou um espaço de diálogo fundamental para compreender os desafios e oportunidades da transição climática.
Sob a moderação de Andreas Mirow, o painel reuniu um grupo diversificado de executivos e conselheiros: Walter Schalka, CEO da Suzano Papel e Celulose por mais de uma década e atualmente Membro dos Conselhos de Suzano e Vibra; Rafael Tello, vice-presidente de Sustentabilidade da Ambipar; Karla Bertocco, Presidente do Conselho da Sabesp e Conselheira da Orizon; Natalia Resende, Secretária do Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Governo de São Paulo; Ana Grizzi, EY Deputy Leader em Sustentabilidade e Mudanças Climáticas; e Liv Nakashima, Diretora de Gestão Corporativa e Sustentabilidade na Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB).
O Cenário Atual e a Urgência da Transição
A discussão iniciou-se com um diagnóstico claro da situação atual. Walter Schalka estabeleceu o tom ao afirmar que “acabou a fase do diagnóstico, não há mais aquela história de ficarmos discutindo se existe ou não uma emergência climática, é óbvio que existe”. Esta declaração contundente reflete um consenso crescente no meio empresarial: a questão não é mais se devemos agir, mas como e com que urgência.
O cenário brasileiro oferece exemplos concretos dessa urgência. Os eventos climáticos extremos têm se multiplicado em frequência e intensidade, afetando diferentes regiões do país. Rafael Tello apresentou um panorama preocupante dos últimos 24 meses, citando as secas recordes na Amazônia e os eventos críticos no Rio Grande do Sul. Estes eventos não são apenas manifestações isoladas, mas indicadores de uma transformação sistêmica do clima que demanda respostas igualmente sistêmicas.
A janela de oportunidade para ação é mais estreita do que muitos imaginam. Os dados apresentados no evento são alarmantes: com uma “licença” global para emitir de até 500 bilhões de toneladas de carbono e emissões anuais líquidas de ~40 bilhões (conforme ilustrado no quadro 1, abaixo), o tempo para ação efetiva é extremamente limitado. Esta realidade coloca em xeque as estratégias empresariais que projetam neutralidade de carbono apenas para 2050.
Quadro 1 – Evolução das emissões de GEEs e balanço de carbono
Políticas Públicas e Regulação
Iniciativas Governamentais
O estado de São Paulo tem se posicionado na vanguarda das políticas climáticas no Brasil. Natalia Resende detalhou a estratégia estadual, que se estrutura em três pilares fundamentais: mitigação, adaptação e resiliência. Esta abordagem integrada se materializa em um plano de ação climática com horizonte até 2050, contemplando diversos setores estratégicos.
O plano estadual vai além das medidas convencionais, incorporando aspectos como finanças verdes e educação ambiental. Esta amplitude reflete um entendimento importante: a transição climática não é apenas uma questão ambiental, mas uma transformação socioeconômica que requer mudanças em múltiplos níveis.
O Papel da Regulação e Monitoramento
Um aspecto crucial desta transformação é o monitoramento e a regulação das emissões. Desde 2012, a CETESB mantém um sistema robusto de acompanhamento das emissões corporativas, como explicou Liv Nakashima. Este trabalho tem permitido construir uma base de dados sem precedentes sobre as emissões no estado de São Paulo, fundamental para o desenvolvimento de políticas públicas efetivas.
O sistema de monitoramento da CETESB representa mais que uma ferramenta regulatória – é um instrumento de transparência que permite às empresas comparar seu desempenho com pares setoriais e identificar oportunidades de melhoria. A iniciativa demonstra como a regulação pode atuar não apenas como mecanismo de controle, mas como catalisadora de transformações positivas.
Governança e Estrutura Organizacional
A Nova Governança Climática
A complexidade da transição climática demanda uma nova abordagem para governança corporativa. Ana Grizzi enfatizou a necessidade de diversificar a composição dos conselhos, tradicionalmente dominados por executivos com background financeiro e operacional. Esta diversidade não é apenas uma questão de representatividade, mas uma necessidade estratégica para enfrentar desafios multifacetados.
Os conselhos precisam desenvolver novas competências para avaliar adequadamente riscos e oportunidades climáticas. Isto inclui compreensão de ciência climática, regulação ambiental, tecnologias verdes e tendências de mercado relacionadas à sustentabilidade. A formação de comitês especializados em sustentabilidade, como citado por Karla Bertocco no caso da Sabesp, é um passo importante nesta direção.
Liderança e Incentivos
A seleção de lideranças executivas emerge como elemento crucial neste contexto. Karla Bertocco trouxe uma perspectiva importante ao destacar que a escolha de CEOs com visão de curto prazo pode comprometer toda a estratégia climática de uma organização. O perfil da liderança executiva precisa combinar compreensão dos desafios climáticos com capacidade de implementar transformações significativas.
Os sistemas de incentivos também precisam ser repensados. A remuneração executiva tradicionalmente vinculada a métricas financeiras de curto prazo precisa incorporar objetivos de sustentabilidade e clima. Bertocco citou exemplos práticos, como metas de redução de perdas em saneamento, demonstrando como objetivos climáticos podem ser integrados aos sistemas de gestão de desempenho.
Gestão de Riscos e Oportunidades
Repensando a Gestão de Riscos
As metodologias tradicionais de gestão de risco mostram-se inadequadas para lidar com riscos climáticos. Ana Grizzi destacou esta limitação ao observar que abordagens baseadas em probabilidade e impacto, fundamentadas em dados históricos, não capturam adequadamente a natureza sistêmica e não-linear dos riscos climáticos.
Esta realidade demanda o desenvolvimento de novas ferramentas e métricas. As empresas precisam incorporar análises de cenários, considerando diferentes trajetórias de aquecimento global e seus impactos potenciais. A gestão de riscos climáticos precisa ser mais prospectiva e menos retrospectiva, mais sistêmica e menos linear.
Capturando Oportunidades
A transição climática não apresenta apenas riscos – também cria oportunidades significativas para inovação e crescimento. Rafael Tello destacou o potencial da eficiência energética, onde estudos indicam possibilidades de redução expressiva no consumo de energia por meio de melhorias operacionais e tecnológicas.
Outras oportunidades emergem em áreas como energia renovável, mobilidade elétrica, agricultura regenerativa e soluções baseadas na natureza. As empresas que conseguirem identificar e capturar estas oportunidades estarão melhor posicionadas para prosperar em uma economia de baixo carbono.
O Papel do Mercado e da Precificação de Carbono
Mecanismos de Mercado
A precificação de carbono emerge como mecanismo fundamental para acelerar a transição. Walter Schalka trouxe dados importantes sobre o mercado europeu, onde o preço do carbono já alcança 80 euros por tonelada (conforme ilustrado no quadro 2, abaixo). Esta precificação cria incentivos econômicos claros para a descarbonização, direcionando investimentos para tecnologias e práticas de baixo carbono.
Quadro 2 – Evolução do preço do carbono no mercado regulado europeu
O Brasil precisa avançar na implementação de seu próprio mercado de carbono. A aprovação do projeto de lei em discussão no Senado, mencionada durante o evento, é um passo crucial nesta direção. Um mercado regulado de carbono pode criar os incentivos necessários para acelerar a transição em setores-chave da economia.
Financiamento da Transição
O financiamento da transição climática representa um desafio significativo. As empresas precisam mobilizar recursos substanciais para investimentos em tecnologias limpas, eficiência energética e adaptação climática. Karla Bertocco enfatizou a importância de integrar considerações climáticas ao planejamento financeiro e às decisões de investimento.
Novas formas de financiamento, como green bonds e empréstimos vinculados a metas de sustentabilidade, ganham relevância neste contexto. O mercado financeiro tem um papel crucial em direcionar capital para projetos e empresas alinhados com objetivos climáticos.
A Posição Estratégica do Brasil
O Brasil ocupa uma posição única no cenário global da transição climática. Walter Schalka destacou as vantagens competitivas do país, incluindo sua matriz energética majoritariamente renovável e seus vastos recursos naturais. Estas características podem posicionar o Brasil como líder em soluções climáticas baseadas na natureza.
Quadro 3 – Oportunidades e posição estratégica do Brasil
Monitoramento e Transparência
A transparência emerge como elemento crucial na transição climática. Liv Nakashima detalhou como o sistema de monitoramento da CETESB tem evoluído para proporcionar maior visibilidade sobre as emissões corporativas. Este trabalho não apenas permite acompanhar o progresso na redução de emissões, mas também identificar melhores práticas e oportunidades de melhoria.
A evolução dos requisitos de disclosure climático, incluindo novas regulamentações para empresas de capital aberto, demanda maior robustez nos sistemas de monitoramento e reporte. As empresas precisam investir em capacidades de medição, reporte e verificação de dados climáticos.
Integração e Colaboração
Cooperação Público-Privada
A complexidade da transição climática demanda colaboração entre diferentes setores e stakeholders. Natalia Resende enfatizou que nenhum ator pode enfrentar este desafio isoladamente – o sucesso depende de uma abordagem colaborativa que combine recursos e capacidades do setor público e privado.
Engajamento Setorial
Rafael Tello destacou a importância do engajamento setorial na aceleração da transição. A colaboração entre empresas do mesmo setor pode facilitar o desenvolvimento de soluções compartilhadas e a disseminação de melhores práticas. Esta cooperação pré-competitiva é especialmente importante em setores que enfrentam desafios técnicos ou regulatórios complexos.
Conclusão
O evento demonstrou que a transição climática é um desafio multifacetado que requer uma resposta coordenada e abrangente. A urgência da situação, enfatizada por todos os painelistas, demanda ação imediata e decisiva. As empresas que conseguirem implementar uma governança climática efetiva, desenvolver novas abordagens para gestão de riscos e aproveitar as oportunidades emergentes estarão mais bem posicionadas para prosperar em um mundo em transformação.
O sucesso da transição dependerá da capacidade de transformar o reconhecimento da urgência em ações concretas. Como ressaltado pelos participantes, isto requer compromisso tanto do setor público quanto do privado, além de uma visão clara dos desafios e oportunidades que se apresentam. O momento de agir é agora, e as decisões tomadas hoje determinarão a capacidade das organizações de prosperar em um futuro de baixo carbono.
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*Andreas Mirow é sócio-diretor da Mirow & Co. e moderou o painel que serviu de base para este artigo. Fernando Fabbris é sócio-associado e líder da prática de Adaptação Climática da Mirow & Co. As análises e conclusões apresentadas neste artigo refletem as discussões do evento e a experiência dos autores em projetos de transformação climática com empresas e organizações públicas.